STJ restabelece perda de delegação de cartório por retenção indevida de valores
Por reconhecer a decadência do direito de impetrar mandado de segurança, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça restabeleceu por unanimidade a validade de processo administrativo que decretou a perda de delegação de serventia cartorária extrajudicial, atendendo a um recurso do Estado do Rio de Janeiro. A punição foi aplicada porque o cartório reteve indevidamente os valores repassados por devedores de instituições bancárias.
O ministro Mauro Campbell foi o relator do recurso do Estado do Rio de Janeiro
Rafael Luz
A discussão começou quando o Instituto de Estudos de Protestos de Títulos do Brasil informou à Corregedoria-Geral de Justiça a existência de reclamações dos bancos sobre atraso no repasse de seus créditos pelo tabelionato de Barra Mansa (RJ). Após o processo administrativo, foi aplicada a sanção de perda da delegação. No entanto, no julgamento do mandado de segurança impetrado pela titular do cartório, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) considerou a medida desproporcional e a converteu em suspensão de 120 dias.
O Estado do Rio de Janeiro, então, recorreu ao STJ, sustentando, entre outros pontos, a decadência do direito à impetração do mandado de segurança. Essa tese foi acolhida pelo ministro Mauro Campbell.
O ato administrativo que decretou a perda da delegação foi publicado no órgão da imprensa oficial em 8 de julho de 2016. Na sequência, foi interposto recurso administrativo contra a decisão, que foi julgado pelo Conselho da Magistratura — julgamento apontado como ato coator no mandado de segurança. E o recebimento do recurso administrativo, em 20 de julho, deu-se com efeito suspensivo restrito para permitir a percepção de remuneração pela delegatária até o seu julgamento.
De acordo com Campbell, "a legislação local expressamente consignava a ausência de efeito suspensivo para o recurso hierárquico, de forma que a própria atribuição de efeito suspensivo parcial representava situação esdrúxula". O ministro, no entanto, considerou que "se a perda da delegação propriamente não havia sido suspensa, então o ato sancionatório a ser considerado como dies a quo era o publicado em 8 de julho de 2016, o que impunha o reconhecimento da decadência ante a impetração somente em 22 de maio de 2017", uma vez que o prazo é de 120 dias. Com informações da assessoria de imprensa do STJ._
A importância da proteção jurídica dos documentos essenciais à atividade médica
Nos últimos anos, com os elevados índices de judicialização da saúde, não há razão alguma para dúvidas quanto à necessidade de proteção para a atividade médica e essa proteção pode ser dividida em duas situações: informação preventiva diante de situações conflitantes e elaboração e correto uso de documentos para respaldar o exercício da atividade do profissional de saúde.
O oferecimento de suporte legal para hospitais, clínicas, médicos e outros profissionais da saúde, a partir da elaboração de documentos essenciais, como contratos de honorários médico, termos de livre consentimento informado/esclarecido, fichas de anamnese, atestados, declarações de saúde, relatório médico, atestado de óbito, contratos de prestação de serviços médicos, cartas de requisição de retorno e/ou abandono de tratamento, termos de alta à revelia do médico, notificações extrajudiciais e judiciais e o prontuário médico — e, embora este seja um documento do paciente, e não do médico ou instituição de saúde, ao médico cabe o dever do seu correto preenchimento, zelo e guarda — são os documentos considerados essenciais para uma atividade profissional mais atenta e preocupada com os deveres e direitos impostos ao exercício da medicina.
Não pode o profissional da medicina e/ou o empresário da área de saúde deixar de observar a necessidade de ter uma documentação preventiva, efetiva e obrigatória em muitos casos, que atendam à sua necessidade específica e lhe garantam condenações judiciais, por exemplo, por deixar de cumprir requisitos legais para o desempenho da atividade médica. Os pacientes estão muito atentos aos seus direitos e aos deveres dos profissionais que buscam para um exame laboratorial de rotina, um acompanhamento especializado ou até para uma cirurgia específica, seja ela estética ou não. E esse acesso facilitado no mundo digital pode, sim, prejudicar aquele profissional que não buscou uma atenção maior à sua rotina de trabalho, não cercando-se da segurança necessária para o exercício do seu ofício, enfraquecendo a sua relação médico x paciente e ficando mais sujeito a incorrer em falhas não perdoadas pelos pacientes e pelos tribunais superiores.
Nesse sentido, menciono como exemplo um julgado do Superior Tribunal de Justiça que condenou médico e hospital pela falha na prestação do serviço de saúde pela ausência no dever informacional ao paciente e seus familiares (REsp 1.540.508). E, embora não seja uma decisão tão recente, o precedente aberto é de grande valia e merece total atenção dos profissionais da saúde.
No mencionado julgado, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça não apenas reformou decisão proferida em acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal por maioria dos votos como ainda fixou indenização por danos morais de R$ 200 mil a um paciente e seus pais, devido à falta da prestação de informações suficientes que permitissem que a família pudesse decidir adequadamente sobre tratamento neurocirúrgico, indicando ainda que a indenização deveria ser suportada tanto pelo médico quanto também pelo hospital.
O ministro Luís Felipe Salomão afirmou no voto vencedor que "o dano indenizável, neste caso, não é o dano físico, a piora nas condições físicas ou neurológicas dos pacientes. Todavia, este dano, embora não possa ser atribuído a falha técnica do médico — e que parece mesmo não ocorreu, conforme exsurge dos autos —, poderia ter sido evitado diante da informação sobre o risco de sua ocorrência, que permitiria que o paciente não se submetesse ao procedimento".
Ou seja, o profissional não foi condenado pelo fato de ter cometido ou não um dano físico ao paciente no exercício de sua atividade clínica, mas, sim, por não ter observado requisitos obrigatórios ao seu dever legal de informação para com o paciente e seus familiares. Uma condenação que com toda certeza poderia ter sido evitada se esse profissional houvesse cuidado preventivamente da documentação necessária e obrigatória que sua atividade impõe ao seu exercício.
Dessa maneira, uma dica valiosa a todos os profissionais da Medicina, sejam pessoas físicas ou jurídicas, é o acompanhamento preventivo de um profissional jurídico especializado em Direito Médico e da Saúde. É esse o profissional habilitado para avaliar a documentação utilizada por você e/ou pela sua clínica, pelo seu hospital, bem como os procedimentos administrativos do seu espaço de atendimento (recepção, telefonista, limpeza, higienização e outros). Realizar uma consultoria jurídica preventiva não irá impedir que você seja demandado judicialmente ou mesmo junto ao seu conselho regional, mas, garanto, irá amenizar os riscos de ser demandado e, ainda assim, se acaso for acionado judicial ou administrativamente, as possibilidades de defesa e indeferimento dos pedidos formulados serão muito maiores._
Escritório Cascione Pulino Boulos Advogados tem dois novos sócios
O escritório Cascione Pulino Boulos Advogados tem dois novos sócios em São Paulo: Caio de Souza Loureiro e Guilherme Bertolini.
Com mais de 15 anos de carreira, Loureiro é especialista em Direito Público. Ele liderará a área de Infraestrutura e Regulação da banca.
Bertolini tem experiência em Direito Societário e operações de fusões e aquisições, incluindo private equity, joint ventures e disputas societárias, assessorando clientes nacionais e estrangeiros em diversos setores da economia._
TJ-SP rejeita ação por improbidade administrativa contra Alexandre Baldy
Ainda que a recomendação do Ministério Público mereça todo respeito e os fatos relatados como irregulares devam ser apurados, o simples desatendimento da orientação não configura, por si só, ato de improbidade administrativa.
Câmara dos DeputadosTJ-SP rejeitou ação por improbidade administrativa contra Alexandre Baldy
Com esse entendimento, a 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo rejeitou ação por ato de improbidade administrativa contra o secretário estadual de transportes metropolitanos Alexandre Baldy. Ele foi acusado pelo Ministério Público por supostas irregularidades na concorrência internacional de duas linhas do metrô de São Paulo: 5-Lilás e 17-Ouro.
A inicial já havia sido rejeitada em primeira instância. O MP recorreu, alegando que Baldy não teria seguido recomendação ministerial no sentido de adotar as medidas cabíveis para garantir a lisura do certame e que, "apesar de ciente de que as empresas integrantes do consórcio vencedor não preenchiam todos os requisitos para habilitação, deixou de inabilitá-las", configurando ato de improbidade administrativa.
Entretanto, o relator do recurso, desembargador Antônio Carlos Villen, disse que, para o recebimento da ação por improbidade, a mera suspeita de irregularidade fiscal das empresas do consórcio vencedor não é suficiente. "É imprescindível discriminar a conduta ímproba do réu que, no exercício da função pública, ofendeu a moralidade e demais preceitos do direito administrativo", diz o acórdão, citando trecho da decisão do juízo de origem.
Segundo Villen, o fato de Baldy não ter seguido a recomendação do MP não configura improbidade administrativa, principalmente porque o secretário enviou resposta à Promotoria em que esclareceu que deixaria de atender à orientação com base em pareceres de diversos órgãos técnicos do estado. "Todos os pareceres foram minuciosos e devidamente fundamentados, inexistente razão para se duvidar de sua lisura", completou.
Além disso, o relator não vislumbrou indícios de dolo, sequer genérico, ou culpa grave de Baldy, "sem o que não se caracteriza a improbidade por atentado aos princípios da administração pública (artigo 11 da Lei 8.429/1992)". Assim, Villen concluiu que não se podia exigir do secretário conduta diversa da que foi adotada: "A imputação de improbidade é improcedente". A decisão foi unânime._
O assessor jurídico do magistrado em debate: entre falsos temores e incertezas
No último dia 13, neste espaço, o professor Hugo de Brito Machado Segundo publicou um polêmico artigo intitulado "A figura do procurador de fazenda assessor de ministro precisa ser debatida".
Atendendo à sua proposta e sabendo que a melhor homenagem a um texto é escrever sobre ele, mesmo sem eu nunca ter sido assessor de magistrado, nem ter ocupado qualquer cargo de relevância na PGFN, senti-me instigado por considerações do Hugo, de quem me considero amigo e interlocutor.
Na linha de estudar o processo à luz da moderna epistemologia, em dar transparência para fatores que não podem ser desprezados na tomada de decisão, como vieses e preconceitos, algo que tem preocupado ao Hugo, a mim e a todos que lidamos com o Direito de maneira mais séria, na questão dos algoritmos por exemplo, naquele artigo ele preconiza a necessidade também de se cuidar do tema no processo de tomada de decisão "puramente" humano eu diria, sem interferência de máquina.
Assim, a questão colocada já no título, o debate se um procurador da fazenda poderia ser assessor de magistrado, não se apresenta como questão necessariamente ilegal, mas que pode tocar o devido processo legal substantivo, pois, de uma perspectiva institucional, vieses e preconceitos, normais em todos nós, poderiam "dificultar" — a palavra é minha, não dele — "a imparcialidade para ver necessária razão nos pleitos apresentados por contribuintes" (palavras dele).
A bem da verdade, após tentar separar as figuras do "assessor procurador da Fazenda" do "assessor advogado privado", ele se pergunta:
"Um procurador que defendeu por anos a Fazenda Nacional em questões tributárias, quando passa a assessorar um ministro do STJ no deslinde dessas mesmas questões por um breve espaço de tempo, sabendo que ao cabo da licença retornará ao seu órgão de origem, do qual não se desvincula, terá a imparcialidade necessária para ver razão nos pleitos apresentados por contribuintes?".
Algumas questões não foram consideradas por Hugo, daí que seja meu objetivo demonstrar que a imparcialidade necessária do "assessor procurador da Fazenda" existe pela forma como ele se vincula ao tribunal, pela função que a ele cabe e pela própria institucionalidade garantida pelo Direito positivo brasileiro. A análise, assim, vai além do ilegal, tocando pontos do devido processo legal substantivo.
Um procurador da Fazenda nacional, cedido para uma assessoria de magistrado, poderia, na visão do autor, ter sua imparcialidade obstaculizada "porque não perde o vínculo com a Fazenda que defende, licenciando-se por tempo curto e pré-determinado, com retorno certo ao órgão de origem".
O fato de a licença ser por tempo curto e pré-determinado, com retorno certo ao órgão de origem, não retiraria o vínculo do assessor à Procuradoria. Não só um vínculo ideológico ou de mentalidade, mas um vínculo de subordinação jurídica.
Discorda-se dessa posição, porque o procurador da Fazenda, enquanto ocupar o cargo de assessor, afasta-se legal e formalmente do cargo anterior, assim como se licencia da advocacia. Pelo artigo 12, inciso segundo, da Lei 8.906 (Estatuto da Advocacia), por ser a assessoria de magistrado atividade incompatível com a advocacia, cabe a qualquer assessor, advogado público ou advogado privado, requerer sua licença.
Esse fato, que não passou desapercebido ao CNJ no Procedimento de Controle Administrativo 0000706-90.2012.2.00.0000, no qual se analisou e ao final se permitiu a cessão de procuradora da fazenda nacional para assessorar desembargador do Tribunal Regional Federal, não foi levado em conta no artigo.
O vínculo jurídico, de subordinação hierárquica, fica suspenso a tal ponto que o procurador da Fazenda deixa de poder advogar, tornando-se um profissional licenciado durante o tempo que ocupar o cargo e, como qualquer advogado público, precisa estar inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil para atuar em sua carreira, durante a licença perde a plenitude de seus direitos e deveres como advogado, em geral.
Mesma licença deve requerer o advogado privado convidado para uma assessoria de magistrado e, inclusive, precisa se retirar de eventual sociedade de advogados da qual faça parte, pois não possuirá mais todos os direitos e deveres de um advogado.
Embora Hugo sugira que o debate deve ser doutrinário, para então provocar uma mudança legislativa, é fato que a possibilidade de cessão de membros da Advocacia Geral da União para assessoria de tribunais é legal, advinda dos artigos 1º, 7º, da Lei Federal nº 11.890/2008, artigo 26, da LC nº 73, conforme se extrai de decisão dada pelo CNJ, a qual enfrentou vários dos argumentos trazidos por Hugo, a meu juízo, além do prisma legal.
Há uma presunção de legitimidade — não só legalidade — da cessão de procuradores da Fazenda Nacional e de membros da AGU para assessoria de magistrados, também quando se analisam as questões institucionais do direito positivo brasileiro. No voto do conselheiro relator, afirma-se:
"60. A razão é simples. O assessor não julga, não pode julgar e nunca julgará, missão exclusiva e indelegável dos magistrados. No âmbito dos tribunais, aliás, essa missão cabe, via de regra, ao colegiado.
61. Assim, com o devido respeito, não vejo sustentação jurídica na tese — fundada em premissa e presunção equivocadas — de que o assessor seria parcial ao minutar votos em demandas entre o contribuinte e a União, a ponto de quebrar a "paridade processual" e a isenção do magistrado, em possível "tráfico de influência".
62. Vejo nessa tese, ao contrário, um desconhecimento da real atribuição de assessor e, em especial, um desrespeito e um desprestígio à nobre missão de julgar dos magistrados, movida apenas e tão somente pela dialética e pelo convencimento dela decorrente, fruto exclusivo da argumentação jurídica garantida pelos princípios do contraditório e da ampla defesa a ambas as partes" [1].
O conselheiro traz argumentos que, se não afastam a vinculação ideológica que um "assessor procurador da Fazenda" pode ter com a instituição, a mentalidade da instituição da qual se licencia, considerando haja essa tal mentalidade e que qualquer procurador da Fazenda a incorpore, mostram como a institucionalidade do Direito positivo brasileiro já deu conta de possíveis pontos cegos do Direito Processual Tributário, para me valer de interessante insight de um livro de Rui Cunha Martins [2].
Existiria um ponto cego entre a maquinaria processual das convicções, movidas pelo interior do Direito, e uma maquinaria processual de expectativas, afetando desde o exterior do direito, que não pode ser negligenciado. Mas no caso sob análise não existe tal ponto cego, pois os vieses e os preconceitos de um assessor já estão à vista da institucionalidade do direito posto, havendo mecanismos de controle positivados.
Antes de ir à institucionalidade do Direito positivo, reafirma-se que a premissa de que o assessor tem uma importância além de minutar, que parece revelada na última pergunta que Hugo faz em seu artigo — "Ou a leitora acredita que o assessor minutaria um paradoxal voto reconhecendo a invalidade de sua própria atuação?" — não se sustenta.
Assessor deve minutar, pela subordinação hierárquica criada para ele, quando na função de assessoria. Assessor não julga, logo sua convicção pessoal sobre a melhor interpretação da legislação e a determinação dos fatos, é juridicamente irrelevante. Mas e se o magistrado debater com o assessor sobre as questões jurídicas e fáticas colocadas?
Talvez seja normal que isso ocorra, assim como um magistrado já faz indo a um congresso palestrar, e tendo oportunidade de ouvir teses fazendárias e dos contribuintes, numa roda de amigos juristas, discutindo sobre uma questão jurídica em abstrato ou, mesmo, recebendo memoriais das partes, antes de um julgamento.
O próprio magistrado busca chegar a sua convicção fundamentada debatendo e ouvindo opiniões jurídicas. Isso é humano, demasiadamente humano, forma a convicção jurídica em algum grau, mas daí não se pode concluir que ele poderia "pegar" os vieses e preconceitos de com quem conversa, de quem lê e por aí vai, o que demandaria um trabalho de pesquisa empírica. De qualquer modo, institutos devem ser criados para mitigar as tais influências externas, sejam ou não advindas de um assessor, o que foi feito no ordenamento brasileiro.
A um, a necessidade de fundamentação das decisões judiciais no artigo 489, do Código de Processo Civil aumentou o ônus argumentativo decisório, mecanismo de controle dos vieses e os preconceitos que podem aparecer na interpretação da legislação com conceitos jurídicos indeterminados, princípios, cláusulas abertas etc.
Os parágrafos segundo e terceiro do artigo 489, CPC, explicitam o ônus argumentativo na fundamentação da decisão, seja o assessor minutando-a, seja o magistrado a fazendo sem ajuda na solidão do gabinete ou de seu lar, de modo que a própria necessidade de fundamentação pode evitar vieses e preconceitos.
A dois, pode-se dizer que vieses e preconceitos nas demandas tributárias têm uma influência potencialmente maior sobre julgadores administrativos e de primeira e segunda instâncias judiciais, quando a qualificação de fatos pode ser necessária.
Lembre-se de que a determinação dos fatos tem sido relegada pela teoria jurídica, não se levando os fatos a sério, como bem percebeu William Twining [3]. Essa foi uma preocupação também um dos maiores juristas dos últimos tempos, recentemente falecido, Michele Taruffo, que em seu clássico "Simplesmente a verdade: o juiz e a reconstrução dos fatos" alertou para que as máximas da experiência são utilizadas no Direito, não raro, expressando uma generalização sem base cognitiva, como lugares comuns, preconceitos e estereótipos, distantes de qualquer conhecimento efetivo [4].
Para ele, com aportes em Twining, Umberto Eco e Bernard S. Jackson, toda narração é cultural, entendendo-se cultura como conhecimento de mundo, donde haver um stock of knowledge, um sentido comum ou de cultura geral que influencia os aplicadores do Direito [5]. Preconceitos, estereótipos e perfis fazem parte da cultura, da compreensão do que seria "normal" dentro da cultura [6], e influenciam tanto na determinação dos fatos, quanto na interpretação de dispositivos normativos.
Pense na litigiosidade aguerrida do Direito Tributário, na ideia de que contribuintes possuem uma resistência natural a pagar tributos, diagnosticada por Carnelutti e alçada à ideia de tributo como norma de rejeição social e na ideia de que os contribuintes são devedores contumazes, estereótipos e perfis da nossa cultura tributária brasileira próximos aos de "marido infiel", "esposa fiel", "policial corrupto", "terrorista islâmico", "traficantes de drogas latino-americanos" [7].
No caso do Direito Tributário, a qualificação dos fatos, como na validade de um planejamento tributário, pode ser influenciada, em tese, por esses preconceitos, estereótipos ou perfis, mas como reexame de fatos não pode ser feito em tribunais superiores, ao menos na assessoria por procurador da Fazenda no STJ e no STF, o temor pela influência que ele poderia ter sobre o magistrado torna-se muito reduzido.
A três, estando-se assessorando magistrado de qualquer tribunal, inferior ou superior, é natural que vieses e preconceitos dos assessores possam ser corrigidos por uma decisão que deverá levar em conta a maioria do colegiado, em plenário.
A quatro, o novo CPC limitou os poderes do relator e aprimorou o sistema de precedentes obrigatórios, o que também reduz a potencialidade de vieses e preconceitos.
Além desses argumentos de Direito Positivo, ainda no terreno da possível vinculação ideológica, mudanças institucionais da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, nos últimos anos, têm fomentado consensualidade entre contribuintes e Estado, o que aumenta a legitimidade da cessão para assessoria, ao menos indiretamente.
Restrições a seus membros para litigar, com uma lista de dispensa de contestar e recorrer, levando em conta até eficácia persuasiva de precedente ainda não obrigatório; opção por um sistema racional de cobrança dos créditos "ranqueando" os contribuintes, entre outras medidas, podem levar à conclusão de que a mentalidade "normal", "oficial" dos assessores procuradores da Fazenda Nacional não é de quem sempre defenderá um metafísico e intolerável interesse arrecadatório permanente, mas de alguém também sensível aos interesses dos contribuintes. PFN também é contribuinte, aliás, formando seu caldo cultural, seu stock of kwowledge.
Não desconheço que existe procurador da Fazenda Nacional crendo que todo contribuinte é um devedor, assim como advogado tributarista que defende qualquer atitude do contribuinte para não pagar tributos, perfis que afirmo não caberem a mim e ao Hugo, mas, além de sentir que esses perfis maniqueístas estão com os dias contados, no caso dos advogados públicos há uma nova mentalidade sobre sua função, oficial e institucionalizada.
Para além do que eu ou Hugo possamos achar, cabe à academia verificar se as teses de quaisquer assessores, a partir de sua origem prévia, confirmam-se em mudança de entendimento dos magistrados ao longo do tempo.
Só assim concluiremos se "vieses e preconceitos em assessores humanos" possuem relevância como fatores nas decisões dos magistrados e, em caso positivo, qual grau de relevância, o que pode exigir mudanças institucionais ou ajustes
Por enquanto se está no terreno da mera especulação, sem uma base de dados sólida, o que reafirma a presunção de legitimidade da cessão e ainda a contradição do termo "assessor procurador da Fazenda".
Como assessor assessora, o que ele foi antes e o que será depois não podem servir para rotulá-lo, além do que o fato de ser um procurador da Fazenda licenciado não indica que ele será um assessor das minutas de teses apenas contrárias aos contribuintes.
Como conclusão, pode-se dizer que institucionalmente o processo brasileiro tem meios corretivos de reduzir interferências, por vieses e preconceitos, atendendo-se ao devido processo legal substantivo, o que não afasta, é claro, propostas e tentativas de aprimoramento._
Trump escapa de seguidos processos por aplicação extemporânea da lei
Na segunda-feira (25/1), a Suprema Corte dos Estados Unidos trancou, efetivamente, dois processos movidos contra Donald Trump, quando ele era presidente, por extemporaneidade. As alegações eram de que ele violou dispositivos constitucionais — os que proíbem o presidente de receber benefícios financeiros de governos estrangeiros e domésticos durante o exercício do cargo. Em uma ordem simples, a corte determinou que os processos ficaram prejudicados (moot), porque ele não é mais presidente.
A Suprema Corte dos Estados Unidos
Inversamente: durante os quatro anos de presidência, o Departamento de Justiça (DOJ) se recusou a processar Trump, possivelmente envolvido em outros crimes pelos quais alguns de seus assessores foram processados, porque ele era presidente. Uma diretiva do DOJ garantia uma espécie de imunidade a presidentes no exercício do cargo.
Novamente: em 9 de fevereiro, o Senado vai iniciar o julgamento do impeachment de Trump. Mas a constitucionalidade do impeachment já é questionada, porque Trump não é mais presidente. Na segunda-feira, foi anunciado que o presidente da Suprema Corte, John Roberts, não irá presidir o julgamento, como fez no julgamento do impeachment do ano passado — provavelmente porque o processo pode acabar na Suprema Corte.
Voltando a cada caso. Chegaram dois processos à Suprema Corte, um movido pelo estado de Maryland e por Washington D.C. e outro por vários membros do setor de hospitalidade, proprietários de hotéis e restaurantes em Washington e Nova York. As petições alegaram, basicamente, que as propriedades de Trump levaram uma vantagem competitiva indevida, porque delegações de outros países e de outros estados preferiram fazer reservas nos hotéis e restaurantes do ex-presidente para obter favores.
Isso aconteceu porque Trump, ao contrário de outros presidentes, não se destituiu de seus negócios, depois que se tornou presidente. Por isso, continuou a lucrar com eles, em detrimento dos concorrentes, violando a "cláusula dos emolumentos" da Constituição. O grupo Citizens for Responsibility and Ethics, formado pelos empresários, acusou Trump de corrupção.
Tribunais de primeira e segunda instância decidiram contra Trump e os processos foram consolidados na Suprema Corte. Mas como a disputa só entrou na pauta da Suprema Corte depois que Trump deixou o governo, os ministros consideram que o processo estava prejudicado — ou que não faz mais sentido julgar ações do presidente Trump, porque ele não e mais presidente.
Inversamente: quando Trump era presidente, esperava-se que ele seria processado em decorrência das investigações do procurador especial Robert Mueller sobre um possível conluio de Trump e de seus assessores de campanha com a Rússia. Fora essas enrascadas, foram apontadas por Mueller 10 instâncias de obstrução da Justiça.
O DOJ se negou a processar Trump, com o argumento de a política do departamento, já antiga, é a de que um presidente em pleno exercício do cargo é "constitucionalmente imune" e, portanto, não pode ser indiciado em processo criminal. O indiciamento do presidente em processo criminal "viola a separação constitucional dos poderes", que delineia a autoridade dos poderes executivo, legislativo e judiciário do governo dos EUA, diz a norma.
De qualquer forma, há o poder do Congresso de investigar, denunciar e julgar crimes e contravenções penais praticados por presidentes, através do processo de impeachment.
A norma do DOJ só se aplica a crimes federais, em que o departamento, que também exerce a função de procuradoria-geral, é encarregado das investigações e do indiciamento do réu em tribunais federais. Não se aplica, portanto, a crimes previstos em legislações estaduais, em que a Promotoria de cada estado se encarrega de processar. Trump ainda poderá ser processado no estado de Nova York, por exemplo.
Por curiosidade, o site da Livraria do Congresso dos EUA cita 32 países que garantem imunidade criminal a presidentes e vice-presidentes, bem como a ex-presidentes e ex-vice-presidentes, em alguns casos — sem contar os reinados.
Agora, na iminência do julgamento do impeachment de Trump, volta a situação de que um ex-presidente não pode sofrer impeachment, o que significa, de fato, removê-lo do cargo. Segundo essa tese, Trump não pode ser afastado porque já deixou o cargo.
Esse debate sobre a constitucionalidade do impeachment de um ex-presidente vai preceder os debates sobre a acusação a ser apresentada no julgamento no Senado de que Trump incitou a insurreição que resultou na invasão do Congresso por seus partidários, em 6 de janeiro.
Se essa disputa chegar, realmente, à Suprema Corte, haverá uma segunda questão: se o que Trump falou em seu discurso — e que é interpretado como incitação à insurreição — é ou não é protegido pela Primeira Emenda da Constituição, que garante, entre outros direitos, a liberdade de expressão.
Sobre a recusa do presidente da Suprema Corte, John Roberts, de presidir o julgamento, o professor da Faculdade de Direito da Universidade do Texas Stephen Vladeck, postou no Twitter o que ele entende que é o dispositivo constitucional relevante para o caso: "Quando o presidente dos Estados Unidos for julgado, o presidente da Suprema Corte deve presidir [o julgamento]". No momento, o presidente é Joe Biden [não Donald Trump], ele escreveu.
Diante da recusa de John Roberts, foi escolhido para presidir o julgamento do impeachment o presidente pro tempore do Senado, o senador democrata Patrick Leahy, do estado de Vermont.
A complexidade de compensar indébitos de contribuições destinadas a entidades
Em março do último ano, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reafirmou, por votação unânime, o limite de 20 salários mínimos para base de cálculo da contribuição social devida a terceiros:
"(...) 1. Com a entrada em vigor da Lei 6.950/1981, unificou-se a base contributiva das empresas para a Previdência Social e das contribuições parafiscais por conta de terceiros, estabelecendo, em seu artigo 4º, o limite de 20 salários mínimos para base de cálculo. Sobreveio o Decreto 2.318/1986, que, em seu artigo 3º, alterou esse limite da base contributiva apenas para a Previdência Social, restando mantido em relação às contribuições parafiscais. (...)" (AgInt no REsp 1.570.980/SP, relator ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, julgado em 17/2/2020, DJe 3/3/2020).
Essa decisão reafirma o posicionamento da turma em relação à plena vigência do artigo 4º da Lei nº 6.950/81, no qual limita a base de cálculo das contribuições destinadas aos terceiros no patamar de 20 salários mínimos e explicita que o artigo 3º do Decreto Lei nº 2.318/1986 retirou a limitação de valores apenas em relação à contribuição previdenciária patronal, mantendo o teto quanto às contribuições de terceiros, erigindo a tese a uma das principais atualmente debatida no direito tributário.
As contribuições de terceiros são aquelas do Sistema S (Sesi, Senai, Sesc, Senac, Sebrae, Senar, Sest, Senat e Sescoop) e outras entidades, como Incra, FNDE, DPC, Fundo Aeroviário, e representam até 5,8% da tributação mensal da folha de salário da empresa.
Nesse cenário, sob a égide de uma decisão judicial, o contribuinte deixa de recolher a contribuição destinadas a terceiros sobre o total da folha de salários e passa a empregar na base de cálculo a limitação de 20 salários mínimos, operando verdadeira redução de encargos tributários.
Para exemplificar, para 2021, a base de cálculo de terceiros estaria limitada a R$ 22 mil e o maior recolhimento seria de R$ 1.276 (5,8%), independentemente se o valor da folha de salários for superior, o que é excelente para o empregador!
Mas e quanto aos recolhimentos a maior destas contribuições levados a efeito nos últimos cinco anos antes da distribuição da ação (prazo prescricional) e os recolhimentos eventualmente havidos após sua propositura: compensar ou restituir?
Optar por restituir é, após decisão judicial definitiva e condenatória, promover ainda na esfera judicial cumprimento de sentença e ao final, no caso de os créditos ultrapassarem 60 salários mínimos vigentes, ver expedido precatório, devendo o beneficiário aguardar seu pagamento, o que pode perdurar por anos.
Já na compensação, se permite o encerramento da esfera judicial e a migração para a esfera administrativa, em que será realizado o procedimento compensatório na Receita Federal do Brasil (RFB), gerando o imediato e tão desejado efeito "caixa".
A compensação se opera mediante autorização legal nos termos do artigo 170 do Código Tributário Nacional, logo depende de normatização e aqui se instaura a complexidade.
A Lei 8.212/91, artigo 89, cumulada com a Lei 9.430/96, artigo 74, permite que o sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele órgão.
Até então a Receita Federal do Brasil vedava a compensação de contribuições a terceiros com os demais tributados, o que somente foi autorizado após a edição da Instrução Normativa da RFB nº 1.810 de 13/6/2018, que alterou a Instrução Normativa da RFB nº 1.717/17.
Assim, a partir de 2018, pela alteração normativa da Instrução Normativa da RFB nº 1.717/17, exatamente no artigo 65, para os contribuintes que se utilizam do sistema de escrituração digital das obrigações fiscais, previdenciárias e trabalhista (E-Social), é permitido a compensação cruzada, isto é, se permite a compensação de todo crédito de natureza tributária, passível de restituição e ressarcimento com quaisquer tributos administrados pela Receita Federal do Brasil após o ingresso do contribuinte no referido sistema, inclusive das contribuições destinadas às terceiras entidades.
Já para os créditos anteriores a 2018 e aos contribuintes que não estão obrigados ao E-Social, somente se permite a compensação da contribuição com a contribuição da mesma espécie. E, ainda assim, há um entrave, a impossibilidade da compensação das contribuições destinadas às terceiras entidades, nos termos da redação do artigo 87 da Instrução Normativa da RFB nº 1.717/17:
"Artigo 87 — É vedada a compensação, pelo sujeito passivo, das contribuições destinadas a outras entidades ou fundos".
Havendo embaraços para a compensação das contribuições às terceiras entidades, é importante consignar que há entendimento jurisprudencial consolidado acerca da possibilidade de compensação entre contribuições de terceiros de mesma espécie, o que pode acarretar novas demandas judiciais na perseguição desse direito. Nesse sentido: AgInt no RESp 1.586.372/RS, REsp 1.783.565/SC, AgInt no REsp 1.634.879/SC, REsp 1.498.234.
Para "adubar" toda essa complexidade, importante citar que não se exaurem as regras de compensação na legislação vigente, isso porque há entendimento sedimentado que se aplica a legislação vigente à época do efetivo procedimento (AgRG-EREsp nº 546.128/RJ), ou seja, a insegurança jurídica permeia o contribuinte até a decisão definitiva da ação judicial, pois somente nesse momento saberá como guerrear para reaver o indébito.
Assim, cabe aos patronos da ação conduzir da melhor forma os pedidos e os contornos da decisão judicial definitiva, para que se permita não só a compensação como a restituição, visando à adoção do melhor caminho a ser perseguido pelo contribuinte na busca de seu crédito, para que no final não se veja diante do "ganha, mas não leva" com relação ao indébito das contribuições destinadas às terceiras entidades.
Associação de juízes pede que PGR denuncie Bolsonaro por atuação na pandemia
A Associação Juízes para a Democracia (AJD) protocolou na Procuradoria Geral da República uma representação para que o presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, seja processado mediante denúncia a ser apresentada ao Supremo Tribunal Federal.
De acordo com o texto da representação, "na contramão da recomendação da OMS de adoção, pelos países, de ‘uma estratégia integral e combinada para prevenir infecções, salvar vidas e minimizar o impacto’ da crise, sua condução no Brasil, pelo atual ocupante do cargo de Presidente da República, tem ocorrido de maneira desastrosa".
A entidade pede que o presidente seja processado pelos crimes tipificados nos artigos 132, 257 e 268 do Código Penal
Assinam a petição as juízas Valdete Souto Severo, Daniela Valle da Rocha Muller e Emília Gondim Teixeira, que compõem o Conselho Executivo da entidade.
A representação da AJD contra Bolsonaro foi protocolada no sistema da PGR nesta terça-feira (26/1), pela advogada da entidade, Milena Pinheiro Martins._
STJ proferiu 557 mil decisões em regime de trabalho remoto
O Superior Tribunal de Justiça proferiu mais de 557 mil decisões e despachos desde a implementação do trabalho remoto, em 16 de março de 2020. O modelo está sendo utilizado para evitar a disseminação do novo coronavírus. A informação é do próprio STJ.
Trabalho remoto começou em 16 de março
Dolar Photo Club
Do total, contabilizado o período que vai de 16 de março de 2020 a 24 de janeiro de 2021, foram 419 mil decisões terminativas e 138 mil decisões interlocutórias e despachos. As terminativas, em sua maioria, são monocráticas. Decisões colegiadas são 89 mil.
Entre as classes processuais com mais decisões estão os agravos em recurso especial (164 mil), os Habeas Corpus (121 mil) e os recursos especiais (70 mil).
De acordo com os dados atualizados, foram feitas 185 sessões virtuais para julgamentos de recursos internos (agravos regimentais, agravos internos e embargos de declaração). Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça. _
Daniel Alvarenga é o novo sócio de tecnologia financeira do Franco Advogados
O escritório Franco Advogados conta com um novo sócio para reforçar a área de tecnologia/internet, especialmente no atendimento de fintechs e insurtechs: Daniel H. C. Alvarenga.
O profissional assume a coordenação de assuntos regulatórios relacionados com transações e tecnologia financeira na unidade de São Paulo.
Com mais de 20 anos de experiência em Direito Empresarial e vivência em assuntos regulatórios, especialmente em questões relacionadas com tecnologia financeira, Alvarenga é membro do grupo de trabalho do Banco Central para a implementação do open banking Brasil (sistema financeiro aberto) e do PIX (sistema de pagamento instantâneos). É ainda autor de obra Fintechs de Crédito: Regulamentação Jurídica Comentada (Quartier Latin)._
Honorários de sucumbência, equidade falsa e igualdade constitucional
O legislador processual de 2015 regulou minuciosamente os parâmetros dos honorários de sucumbência, fixando-os, de ordinário, entre 10% a 20% do benefício econômico advindo à parte vencedora. Atento, o legislador ainda fixou exceções regulando-as também em pormenores, como nas causas em que a Fazenda Pública for parte. Somente se na causa inestimável ou irrisório for o benefício econômico estaria autorizado o juiz a utilizar a apreciação equitativa.
Entretanto, a aplicação do comando legal tem encontrado resistência de parte da jurisprudência, que foge ao estrito ditame da norma para buscar razões em equidade e na necessidade de vetar o que chama de "enriquecimento sem causa" sempre que os honorários incidentes forem por ela considerados excessivos.
Isso é frequente em causas milionárias, em que a parte derrotada sucumbe em valores na casa de dezenas de milhões de reais, ou até mais, e que, pelo texto da lei, caberia ao advogado vencedor honorários de alguns milhões de reais, se o magistrado obedecesse aos parâmetros do novo diploma processual. Entretanto, por considerar honorários nesses patamares um valor excessivo e capaz de dar ensejo ao alegado enriquecimento sem causa, essa corrente jurisprudencial abandona o comando legal e arbitra os honorários de sucumbência em valor infinitamente menor ou até mesmo irrisório em face do critério fixado na lei, tornando morta a sua letra.
Não raro, mesmo em caso de honorários arbitráveis apenas na casa de uma dezena, ou pouco mais, de milhares de reais, reduzem-nos somente a algumas unidades de milhar, frustrando o profissional vencedor e os objetivos da lei. Recentemente, numa causa em torno de R$ 240 mil, o juiz do feito, invocando a equidade, arbitrou os honorários de sucumbência em R$ 2 mil, afirmando que R$ 24 mil seria excessivo e, em afirmativa que parece ultrapassar o limite do razoável, reverberou contra a fixação legal afirmando ter sido lobby de uma classe que apenas queria se beneficiar, e, invocando o poder dos juízes, afirmou ser sua atribuição corrigir o legislador. O Superior Tribunal de Justiça colocou em pauta esse assunto para uniformização, mas o julgamento está suspenso.
No diploma processual, ao regular clara e minuciosamente os honorários sucumbenciais, objetivou-se tanto criar uma barreira para ajuizamento de demandas temerárias, em face do risco da alta sucumbência, quanto reconhecer uma realidade crescente na prática: a importância dos honorários de sucumbência para profissão legal, cuja remuneração é cada vez mais vinculada ao sucesso da causa — a sucumbência, já há algumas décadas, passou a ser essencial fonte de receita para os profissionais. Esses dois foram os objetivos estratégicos do legislador.
Mas por que esse irredentismo de alguns juízes? Por que se escandalizam com honorários mais elevados, mesmos com os relativamente menores valores, estes na verdade mais frequentes? Afinal todos são frutos de trabalho honesto, dentro da praxe do mercado e do parâmetro fixado pelo legislador.
A primeira reflexão é se caberia ao juiz fugir do comando legal de 10% a 20%, considerando que ele reflete o parâmetro histórico e usual do mercado, como observou João Monteiro, em parecer datado de 1903, ressaltando que o parâmetro, "atendendo ao costume do Foro", "costuma ser de 10% a 20%"? Ora, como ou por que essa prática de mercado, quando adotada pelo legislador, passou a ser considerada "excessiva" ou implicar em "enriquecimento sem causa"?
Para alguns, trata-se de muito dinheiro para um advogado receber no processo judicial, mesmo que o feito dure anos ou até década. A atuação pode ser curta, ocasional ou longa, não importa, dizem eles haver "enriquecimento sem causa" do profissional. Mas quando um corretor de imóveis consegue um comissão milionária na venda de um imóvel, trabalhando pouco mais do que alguns meses, não veem "enriquecimento sem causa". Ou quando um trader, numa tarde, ganha milhões em alguma operação de bolsa ou mercado, não se trata de "enriquecimento sem causa". Ou quando um leiloeiro recebe comissão de alguns milhões pela venda bem-sucedida de um valioso imóvel numa tarde de leilão, não há "enriquecimento sem causa". Todos esses ganhos extraordinários são eventos relativamente raros, pouco frequentes na vida de um profissional (e, às vezes, simplesmente nunca lhe acontecem), mas são ganhos lícitos e legítimos, produtos normalmente de muito tempo de trabalho, conhecimento e reputação construídos em longas carreiras, e que, de resto, são o grande objetivo econômico do exercício de uma profissão liberal.
A lógica econômica da profissão liberal assenta-se em duas premissas: uma é obter ganhos de maior valor do que o obtido pelo assalariado ou na função pública em troca do risco e das incertezas cotidianas que a profissão liberal apresenta; outra é formar largo patrimônio e reservas financeiras, tanto para enfrentar graves reveses, tempos de penúria, doenças longas etc. — não tenha ilusão o profissional, elas ao longo da vida acontecerão certamente — quanto para a constituir uma provisão essencial para aposentadoria.
Não só isso, essa interpretação jurisprudencial em comento impõe ao advogado uma situação ilógica: seus ganhos, fixados ignorando a realidade do mercado, são limitados, mas sua responsabilidade não. Se um advogado causar um dano ao cliente, perecendo o objeto da ação, deverá ele indenizá-lo pelo valor integral do bem, nenhum juiz irá fixar o valor da indenização em quantia mínima invocando equidade "em face do elevado valor do bem".
Ora, portanto, essa suposta e invocada equidade para afastar o texto da lei é, na verdade, a "equidade odiosa", a falsa equidade, que só tem a aparência de equidade, pois ela é discriminatória e ilógica, marginaliza uma atividade inteira e quebra-lhe a espinha dorsal econômica. Há claro tratamento desigual entre profissões liberais em situação em que o tratamento igualitário se impõe.
Há, ainda, outro prisma.
Há um provérbio inglês que diz: "O dinheiro é como adubo, é inútil se não for espalhado". Infelizmente, há ainda um pensamento de matriz concentradora que, involuntariamente ou não, funda uma grave hesitação no Judiciário de impedir a circulação de riquezas, não raro poupando poderosos de alguns ônus impostos pelo legislador, em favor do particular, contra determinadas condutas daqueles; ou pela hesitação em aplicar multas ou fixar compensações efetivas para danos em casos concretos individuais. A matriz dessa jurisprudência é a mesma: impedir um suposto enriquecimento ilícito, mas cujo efeito paralelo é facilitar a conduta violadora da norma e proteger o entesouramento de recursos financeiros que deveriam ter outra destinação.
A circulação do dinheiro produz riqueza, tornam prósperos povos, cidades, países, portanto, o seu entesouramento é indesejável do ponto de vista econômico; já o seu reverso é benéfico.
Infelizmente, o Brasil historicamente caminha no sentido contrário: ao invés de fazer circular riquezas, e incentivar essa situação como benéfica, o Estado patrimonialista e, em segundo momento, o estamento que se lhe gravita têm sido conjuntamente o seu grande concentrador, e eles têm sido seu fieis a esses modelo. Seja, quase conscientemente, como observou Raymundo Faoro, no seu clássico "Os Donos do Poder — Formação do Patronato Brasileiro": "O súdito, a sociedade, se compreende num aparelhamento a explorar, a manipular, a tosquiar num caso extremo". Seja, quase involuntariamente, como demonstrou Jorge Caldeira, no igualmente importante "História da Riqueza no Brasil — Cinco Séculos de Pessoas Costume e Governo", em que regista períodos de maior desenvolvimento, quando o Estado diminui sua presença ou quando se liberam recursos para o setor privado.
Dessa forma, data venia dos que pensem contrariamente, não há equidade alguma em ignorar o comando legal expresso para torná-lo letra morta; muito menos há enriquecimento sem causa ao se fixar honorários compatíveis com a praxe do mercado, aliás, pelo contrário, atentar contra tal lógica, além de violar materialmente a garantia constitucional de liberdade iniciativa em profissão, por quebrar a sua espinha dorsal econômica, é, na verdade, uma capitis diminutio dessa nobre profissão liberal, tratando-a de maneira desigual em relação às demais, também violação ao princípio constitucional da igualdade.
STF nega liminar para suspender eleição presencial na Câmara dos Deputados
A ministra Rosa Weber, exercendo a presidência do Supremo Tribunal Federal nesta quinta-feira (21/1), indeferiu liminar a um pedido do PDT que queria intervenção na eleição para a presidência da Câmara dos Deputados.
Na última segunda-feira (18/1), a mesa diretora da Câmara decidiu, por 4 votos a 3, que a votação presencial seria obrigatória. No mandado de segurança, o partido criticava a decisão no contexto da pandemia da Covid-19.
Para o PDT, " a possibilidade do voto à distância é fundamental para a preservação da saúde de deputados e funcionários da Casa, sobretudo aqueles que fazem parte do grupo de risco".
O partido pedia concessão de medida liminar para suspender a deliberação da mesa diretora da Câmara, com a consequente aplicação do regime híbrido (com votos à distância e presenciais); e, no mérito, solicitava a confirmação da liminar, caso fosse deferida, com a suspensão definitiva da deliberação da mesa.
O mandado de segurança ficou sob relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, mas cabe ao presidente do tribunal (nesse caso, a vice, exercendo a presidência) decidir pedidos urgentes durante o recesso forense. Neste ano, no entanto, os ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes anunciaram que continuariam trabalhando no recesso. Cármen Lúcia também tem decidido pedidos de Habeas Corpus._